QUANDO A ERA DO VAZIO ENCONTRA A FALTA DE NOÇÃO: VOGUE E A PRIMEIRA DAMA UCRANIANA OLENA ZELENSKA.

Bem-vindos a nova década e parece que aterrissamos em um espaço cheio de non sense e terremotos cotidianos. Pandemia, guerra, crise climática e temos um mundo um pouco alheio a tudo ao redor. A moda não podia ser diferente. Dizem que ela reflete o nosso momento. Os chiques costumam dizer Zeitgeist (espírito do tempo) e confesso que fiquei anos para aprender a pronunciar, mas fico de cara com aquilo que vejo no setor, principalmente nos backstages da indústria e com certeza uma hora isso vaza, não tem jeito! Uma hora ou outra as máscaras caem.

Lendo algumas notícias me deparo com a primeira dama da Ucrânia, Olena Zelenska, na capa digital de outubro da Vogue mais poderosa do mundo, do reino de Anna Wintour. Até aí poderia ser uma personagem contando o horror de viver a guerra, mas a coisa piora com o photo shoot (pessoal das modas ama falar assim, né?) no meio dos escombros, do avião explodido, com soldados ao redor, fiquei: what? Glamourização da dor, da guerra e ainda se auto promover em cima disso? Seria uma brincadeira?  Cheguei a pensar que fosse uma fake news. Estou assim já “what” há anos com a moda, mas ultimamente é uma aberração atrás da outra. Não é a primeira vez que a Vogue mira na vanguarda e acerta o fora da realidade, o grotesco, o bizarro. Em 2014, a Vogue Itália sob o comando da grande Franca Sozzani, publicou um editorial com mulheres vestidas com roupas caríssimas mortas pelos seus companheiros. Uma das fotos mais chocantes para mim é a mulher recém lançada da escada com o sangue escorrendo pela cabeça. A ideia era gerar um incômodo, uma reflexão quase visceral sobre o tema e caiu na glamourização do feminicídio. Bizarro e de mau gosto. Um tema tão sensível e doloroso para nós mulheres!

Mais recentemente, na pandemia existiram marcas que ignoraram a COVID-19 e desfilaram presencialmente, inclusive no auge da pandemia, Bottega Veneta caiu na malha das redes ao desfilar escondido em Berlim após fotos dos convidados serem publicadas na mesma Vogue americana, com direito a after party e tudo mais, gerando uma indignação coletiva.

Até mesmo quando a guerra da Ucrânia iniciou, um dia depois do início da semana de moda em Milão, por aqui, quase ninguém comentou e era como se nada estivesse acontecendo. Raras aparições de modelos com bandeiras nas portas de desfile nos recordavam e chamavam a atenção para o que suas famílias estavam vivendo do outro lado. Nos bastidores, um ou outro lamentava o ocorrido, mas sabe como é The Show must Go on. São as incoerências de um setor doente, que anda precisando de uma terapia coletiva. Entre as maldades, humilhações contínuas e a falta de empatia. É como se nós trabalhadores da indústria, não nos afetássemos ao nos depararmos com esta comunicação de moda baseada em tragédia. A moda tem andado tão distante da realidade que anda produzindo essas aberrações.

Tivemos a Balenciaga sob o comando de Demna Gvasalia, reproduzindo refugiados vestidos de roupas caríssimas segurando sacos de lixo em meio a tempestade de neve, enquanto as bombas explodiam na Ucrânia e as pessoas fugiam de suas casas estraçalhadas. Camisetas distribuídas para os convidados com as cores da bandeira ucraniana enquanto, como aqui em Milão, comentavam a tragédia bebendo seu Dom Perignon. Gvasalia foi perdoado pelo lugar de fala, também fugiu da guerra na Geórgia e levou o triunfo de gênio. Retratar refugiados dessa maneira não seria ultrapassar todos os limites do razoável?  Me questiono até quando vale fazer marketing em cima de um tema tão delicado e doloroso? É chique? É plausível? Seria de bom tom? Entendo que mostrar uma realidade incomoda, e muito! Mas, ultrapassar a linha do respeito é desumano! Para quem está na dor e para o telespectador.  

Um país que hoje, segundo a ONU, possui ao menos 4.634 civis mortos (o jornal La Repubblica estima 26 mil) e ao menos 5 milhões de pessoas refugiadas. Em meio a soldadas e escombros, de roupas de grife minimalista, a única mensagem que consegui receber é que a moda tem sido um freak show (show de horrores) e precisa urgentemente de novas mentes por detrás, pessoas realmente engajadas em causas, pessoas humanas! E não me refiro, somente a pessoas intelectualmente desenvolvidas não, mas pessoas que possuam um capital social. E para você que possa estar chocado (a)… Tenho infelizmente que te dizer que isso é só a ponta do iceberg no universo da moda! Buongiornissimo e fico por aqui. Câmbio desligo! Até a próxima!

Camila Leonelli é relações públicas, fotógrafa e jornalista de moda. Trabalhando como PR internacional, cuida da comunicação de marcas importantes dentro do mercado italiano e também já atuou para em grandes agências e marcas em São Paulo. Foi correspondente e fotógrafa de street style para o site Ana Garmendia. Vive há oito anos na Itália com passagem por Roma e agora Milão. Na área de Moda, possui duas pós-graduações: uma pelo Istituto Europeo di Design em Roma, outra na Universidade Santa Marcelina em São Paulo. É especialista pela Saint Martins em Cool Hunting.

BRECHÓ NÃO É CIRCULAR!

EITA, COMO ASSIM? O SEU MUNDO CAIU?! O meu também caiu quando descobri, e faz pouco tempo que essa informação chegou por aqui de forma

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