Acabaram oficialmente as semanas de moda pelo mundo. Paris fecha a edição da Primavera Verão 2023. O “vestido spray” da marca Coperni ganhou as mídias sociais, não só pela performance com a modelo Bella Hadid, que lembra muito a performance SS99 apresentada por Alexander Mcqueen onde robôs pintavam o vestido da modelo em uma das apresentações mais épicas da historia, mas também pela inovação tecnológica e cientifica da construção da peça com tecido líquido, sustentável e materializado ao ser pulverizado no corpo, ao vivo, o vestido se materializou e criou-se uma imagem poética que nos remeteram aos bons tempos da moda.
Diferentemente de Milão, onde tudo é mais comercial e usável, menos experimental, Paris é vanguarda e ousadia. Balenciaga apresenta sua coleção em meio a um cenário apocalíptico, quase do novo Blade Runner misturado com Walking Dead, com as barras dos com pessoas caminhando em meio a um cenário de destruição, meio mortos vivos, com os vestidos sujos, pés atolados na lama, e como se no final das contas, dançamos em meio ao nosso fim com nossas roupas caríssimas e memórias infantis, como a dos ursos de pelúcia carregadas pelas modelos. Demna Gvasalia tem a precisão e a percepção sempre coerente do momento, pessimista sim, mas com uma veia poética, irônica e sarcástica, como disse uma vez Anna dello Russo é difícil saber quando ele está sendo sério ou tirando o sarro da nossa cara. Depois do desfile, Gvasalia lançou a bolsa em formato de saco de salgadinhos, tipo Lays. Eu vejo uma mistura da pop art, com o grande sarcasmo do diretor criativo, que no final das contas, com a sua ironia, fará vender como água um saco de batata fritas Lays, escrito Balenciaga.
E no meio do caminho, eis que teve a Biennale de Venezia com o tema “The Milk of Dreams”( o leite dos sonhos) inspirado no livro infantil escrito nos anos cinquenta e publicado póstumo da britânica Leonora Carrignton. Não se se comprei muito, logo após pandemia e uma guerra cada vez mais truculenta aqui do lado, o tal surrealismo proposto pela curadoria da Bienal. Um escapismo, pode ser. No entanto, foi uma das maiores participações de mulheres da história e trouxeram temáticas importantes ao meu ver, como as questões ambientais, feminismo, pandemia e tecnologia.
O pavilhão Holandês cedeu seu espaço a Estônia, idealizado por Kristina Norman e Bita Razavi, e traziam a temática do feminismo, colonialismo e euro centrismo por meio da Orquídea. O tema central foi inspirado pela história e mãos da botânica colonial holandesa Emilie Rosalie Saal e sua obsessão com a planta tropical, a sua extração e estudos, ignorando o conhecimento do povo originário da Indonésia. Uma grande máquina ao centro do Pavilhão, já nos causa estranhamento e chegamos a uma mulher desenhando compulsoriamente orquideas e a performance que mais me marcou, o vídeo de Kristina Norman, Janu. A mulher dentro de uma jaula, como um animal, entre angustia, desespero, opressão do seu ser, se vê fora da jaula. O encontro para mim do olhar da mulher selvagem enjaulada e da livre, traz a metáfora da prisão do eu, daquilo que ser e nascer mulher causa, a mutilação, o sufocamento e a repressão total do selvagem e do nosso verdadeiro eu. Além disso, nos direciona a pensar no sofrimento animal, ao ser retirado do seu território e habitat natural para ser encarcerado para o divertimento e entretenimento humano.
A extração do lugar de pertencimento como a flor, o desespero, o perder o eu, a invasão compulsória que nos levou ao mundo que vemos hoje, na UTI, em fase terminal como retratado no pavilhão da Coreia do Sul. O artista Yunchul Kim traz os infinitos ciclos de criação e extinção com máquinas que respiram artificialmente e tentam reproduzir a natureza. O labirinto proposto nos leva um mundo interdisciplinar e apocalíptico, de novo a uma espécie de Blade Runner, acho que estou obcecada e um fim próximo em meio a lama, inteligência artificial e máquinas para uma tentativa frustrada de salvação.
E o resumo não é bonito, a moral da fabula não é a Disneylandia, os sonhos do desespero de um mundo melhor e em fase terminal, onde poucos se dão contam e seguem dançando a valsa no escuro, sem saber se a linha de chegada é realmente aquilo que se espera. Os vestidos são lindos, cobertos de lama com firma Balenciaga. E encerro dizendo que para mim, a força para mudança e o grande motor para desmoronar o sistema que vivemos vem da mulher e da sua essência, seu espírito animal, seu anseio em se libertar e mudar o presente para construir o futuro, mas infelizmente dados aos eventos dos últimos tempos, ao meu ver, estamos ainda longe de chegar nesse ponto, se é que um dia chegaremos. Baci.