Acabou mais uma semana de alta costura, diretamente de Paris. Balenciaga gerou seu burburinho por quebrar tradicionalismos com a sua Couture Store embaixo do tradicional atelier da marca na Avenue George V. Apresentou uma passarela estrelada com nomes como Dua Lipa, Nicole Kidman, Naomi Campbell e quebrou a banca com Kim Kardashian. Polêmica. O desfile foi o mais visualizado da internet e como sempre Demna Gvasalia, diretor criativo da Maison, provoca. Trouxe também a passarela uma das modelos de Christobal Balenciaga, fundador da marca, Danielle Slavik, fazendo uma espécie de encontro do novo com o tradicional.
Kim Kardashian é uma persona controversa, já acusada de apropriação cultural e particularmente não acredito que seja a melhor influência atual. Gvasalia já havia colocado o fenômeno da era do vazio, em sua apresentação dos Simpsons em outubro de 2021 em seu irônico red carpet. Adoro o tal deboche tão particular do criador, mas a reflexão aqui é até que pronto a Haute Couture cabe dentro desse mundo de imediatismos digitais? Uma roupa tão pensada e construída para representar a identidade da marca, que demora meses para ser concebida, acaba viralizando sem nenhum aprofundamento, e me pergunto até que ponto a figura das Kardashians são uma boa influência para nós. Kim Kardashian é a mulher que diz ter emagrecido 7kgs em duas semanas com uma dieta drástica para entrar no vestido histórico da Marylin Monroe e depois deformá-lo inteiro. Sem contar as inúmeras plásticas e para mim representa o pior do americano: um vazio, o superficial, o patriarcado inteiro e o famoso tenho grana e faço aquilo que eu quero. Simplesmente não entendo todo esse fascínio sobre a figura. Na era de Ferragnis para presidente (chocada ao ler), pois é, e etc e tais, vale mais os views do que a mensagem? Vale mais o ter que o ser? Parece que sim. Mas dentro desse emaranhando, Gvasalia ainda nos faz propostas interessantes dentro do desfile juntando os tradicionais vestidos de noite com a bolsa caixa de som, t-shirts e jeans. É como se a Couture finalmente encontra-se um caminho para o novo século.
E afinal o que é a “Haute Couture”? A semana de alta moda não é só uma mera apresentação de vestidos caríssimos e caras e bocas, é história da moda, tradição e também vanguarda e rupturas. Dentro dessa instituição francesa passaram nomes como Elsa Schiaparelli, italiana e para mim, a grande vanguardista e gênio da moda do século XX e inspiração para nomes como Alexander Mcqueen, desfilou em Paris e levou a moda para o experimentalismo, com formas inusitadas com o vestido preto em forma de esqueleto, parcerias com artistas como Dali e seu vestido lagosta, a criação do rosa shocking e o chapéu em forma de sapato por exemplo, causando um grande estranhamento no período. Temos também Jean Paul Gaultier que debutou na Couture em 97 trazendo o chamado unisex para passarela e já havia levado as passarelas precedentes nomes como Madonna, e já final dos anos 80 trazia para passarela a diversidade. Gianni Versace também causou seu frisson com a sua Femme Fatale, música alta e sua roupa ultra sexy nas semanas de alta costura. E a Dior poética de John Galliano, um manifesto artístico e genial, que hoje vemos também na Maison Margiela criada por ele.
A Haute Couture é para mim a escultura da moda, é o momento em que a marca mostra o seu melhor. É a tradição e a excelência, o savoir faire elevado a máxima potência. Para se ter uma ideia a primeira maison de moda foi criada em 1858 por Charles Federich Worth conhecido como pai da alta costura e praticamente de tudo aquilo que vemos hoje de moda. Para poder fazer parte da semana de Haute Coutre é preciso seguir as regras especificadas pela Federation de la Haute Couture et de la mode como por exemplo, ter as roupas totalmente costuradas a mão, feitas em um atelier em Paris com pelo menos 15 funcionários em tempo integral, ter duas coleções apresentadas duas vezes ao ano (janeiro e julho) e apresentar pelo menos 50 desenhos originais com propostas para o dia e para noite. Essas são algumas das regras para criar o momento de sonho, reforçar a identidade das marcas e lançar tendências que serem absorvidas pelas marcas de prêt-à-porter, pelo mercado e por nós. E adoro ainda mais quando essa realidade se horizontaliza encontra com estéticas corriqueiras, subversivas, incomodas como as subculturas.
E encerro por aqui dizendo que apesar de elitista a Couture nos traz ainda a valorização do artesanato, do produto feito a mão, da qualidade e da excelência. Na roupa com uma mensagem elaborada e pensada e nos entregou outros desfiles lindíssimos como Valentino dirigido por Pierpaolo Piccioli, chamado “The Beginning”(o começo). O desfile foi feito em Roma nas escadarias da Trinità dei Monti encontrando a Piazza di Spagna e volta para onde tudo começou. Ao meu ver uma linda homenagem a marca, a cidade e nos remete também a como é importante olhar para o futuro sem esquecer as raízes. Maison Margiela com a sua apresentação quase teatral como só John Galliano sabe fazer e a Elsa Schiaparelli por Daniek Roseberry que traz a marca para atualidade com sua leitura dramática, contemporânea e surreal. E como dizem os italianos… Baci!