Em 2021, a plataforma Business of Fashion juntamente com a McKinsey & Company detectaram que a economia circular está entre as maiores tendências de negócios da próxima década. A própria indústria tem fomentado o discurso da circularidade como estratégia para a sustentabilidade.
Antes de seguirmos, vale lembrar que sistemas circulares (pasme!) não são sustentáveis por definição. Ainda que, somente superando os desafios materiais seja possível transitar para a circularidade, a sustentabilidade se baseia em alguns pilares fundamentais [falamos sobre isso em O FUTURO DA SUSTENTABILIDADE É AGORA, se você ainda não leu, espia aqui no mesmo blog 6 textos para baixo].
De acordo com a Ellen MacArthur Foundation (uma super referência no assunto), a economia circular é um conceito de atividade econômica que se baseia em eliminar resíduos e poluição desde o início de qualquer processo, manter produtos e materiais em uso e regenerar sistemas naturais.
Ainda existe, sobretudo na moda, muita confusão sobre o conceito amplo da economia circular, que acaba sendo reduzido às estratégias de gerenciamento e reciclagem de resíduos.
Existe o caso clássico, mas muito elucidativo [por isso vou usar ele aqui], do tecido de PET reciclada, muito divulgado como uma iniciativa circular. Acontece que, uma garrafa PET pode ser transformada em outra garrafa PET ou em outros produtos de plástico infinitamente. Mas quando transformada em tecido, e para isso é necessário a mesclagem com outras fibras (de algodão, por exemplo), é gerada uma mistura que NÃO poderá ser reaproveitada em um ciclo circular, acabando em aterros sanitários.
Não considerar o impacto de produtos ao longo de todo o ciclo de vida não é uma abordagem da economia circular. A reciclagem só faz sentido quando é positiva (ou seja, quando tem a capacidade de minimizar impactos) e é um recurso para quando não há outra alternativa para um material já existente. No caso da gestão de produtos prontos, o ponto de partida é prolongar ao máximo o tempo de vida de roupas, calçados e acessórios, a partir de materiais duráveis, design atemporal e novos modelos de vendas e formas de negociar produtos.
Vale acrescentar na cartilha de gestão de impacto um item básico e de extrema importância, que é o planejamento e o controle do mix de produto e da produção. De acordo com a professora doutora Júlia Baruque Ramos da EACH-USP, bilhões de produtos de moda são produzidos somente no Brasil e alguns milhões encalham, fora as milhares de toneladas de aparas e peças piloto, e pelo menos 80% disso não é aproveitado. Em uma economia circular, o resíduo é um erro de design, mais do que pensar como fazer a gestão das sobras, é preciso desenhar produtos e processos que diminuam essas sobras ao limite do estritamente inevitável.
O sucesso a longo prazo da indústria da moda dependerá do controle de recursos em todo o ciclo de vida do produto. O que impacta diretamente o modelo de negócio das empresas de moda, que precisa considerar o valor em cada etapa da cadeia de valor, desde a escolha de fornecedores e materiais, passando pelo design inteligente, gestão de resíduos, produção focada na demanda, modelos de venda e negociação até a fase de pós-uso.
A economia circular é complexa e muito investimento em pesquisa e desenvolvimento ainda será necessário. Porém, toda empresa – de acordo com a própria realidade – é responsável por adotar soluções para minimizar seus impactos. A informação e o conhecimento são o primeiro passo para que pessoas consumidoras entendam mais sobre as próprias escolhas e para que empresas iniciem o inevitável processo de transformação.
Não temos a intenção de esgotar os assuntos complexos que abordamos em nossos textos, nossa intenção é fomentar discussão e ajudar a difundir conhecimento. Por isso, se tiver dúvidas, mande para a gente.